Sobre o valor civilizatório da Vitalidade – This is for life!

Por Matheus Siar / Grupo MovaNos
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Nesse artigo II da série dos valores afro brasileiros, o Grupo MovaNos, na voz do ator Matheus Siar, apresenta o valor VITALIDADE, um pouco de história dos povos africanos e como tem sido difícil se manter vivo nessa corda bamba de nome racismo em sociedades no mundo.

Ao falarmos do valor civilizatório afro brasileiro VITALIDADE, começamos pelo berço da humanidade. This is for África! Que rufem os tambores! Mas não os tambores de rakuna matata, das selvas e savanas que fomos habituados a ver nos desenhos, filmes e nas imagens dos livros didáticos. O som originário que rufa desse continente é o som da vida e da sua diversidade étnica.

África é um continente, mas possui um país com o nome de África do Sul. Ao todo são 54 países e 5 regiões (África Setentrional, Meridional, Central, Ocidental e Oriental), que não se resume apenas em animais exóticos, fome e miséria. Essa região do globo terrestre é rica em vitalidade humana.

Segundo a revista Nature, cientistas concluem que o ponto focal dos primeiros ancestrais que habitaram a terra está localizado na África Subsaariana (conhecida como África Negra), no extremo sul, na Botswana. Habitaram esse território por cerca de 70 mil anos e a partir disso foram migrando para outros espaços até ocupar todos os continentes da terra.

Quando pensamos em vitalidade não podemos esquecer da ancestralidade que carregamos, e mais do que isso, não esqueçamos nunca o processo da diáspora africana.

Os navios negreiros ou tumbeiros (termo que remete a tumba, pela alta mortalidade de africanos) atravessaram os oceanos com o objetivo de levar os escravizados africanos para comercialização em outros continentes. O tempo estimado de viagem era de dois a três meses e cada navio transportava cerca de quatrocentos africanos em condições desumanas. Eram mulheres, homens, crianças. Os homens eram acorrentados quando chegavam nos portos e as mulheres sofriam abusos sexuais.

Aqueles que se rebelavam eram jogados vivos ao mar e outros suicidavam-se por não ar as torturas. Foram mais de 4 séculos de escravidão em diferentes países do mundo, mas apesar do “fim” sabemos que essas marcas históricas ainda permanecem muito presentes nas culturas e nas formas como enxergam as populações negras pelo mundo.

Como nossos pais

O choro do bebê ao nascer se dá em resposta à vitalidade, mas desde o ventre ela já preexiste pelo zelo da mãe de sentir e enxergar que há outro em seu corpo e assim por amor, proteção e atenção é construída uma rede de afeto.

Em etnias de países africanos, as mães têm o hábito de fazer as atividades sociais junto aos filhos desde a mais tenra idade. Elas utilizam o Khaga, conhecido popularmente no termo inglês Sling: um pedaço de pano que é amarrado ao redor do tronco, onde o bebê fica envolto. Ao carregar a criança no tecido, que se envolve ao corpo, constrói-se laços afetivos, além de auxiliar o desenvolvimento infantil em aspectos cognitivos como, comportamental, visceral e reflexivo. Nesse hábito, no qual a criança fica em contato direto com o corpo da mãe, ocorre a preservação de uma prática de retorno ao ventre, retorno às raízes, e vem atravessando as mais diferentes culturas no mundo.

O griot Sotigui Kouyaté dizia, quando você não souber para onde ir, lembre-se de onde você veio. Quando olhamos para nossas origens e experiências construímos sentidos com esse valor afro brasileiro. Ele está amalgamado ao termo axé (expressão usada por adeptos das religiões de matrizes africanas), mas que se ressignificou em outraspráticas religiosas, como: no amém (para os cristãos), no shalom (para os judeus), no namastê, (para os budista, hindus, sikhs e jainistas), entre outros.

É preciso saber viver, cantava a banda de rock brasileira Os Titãs. Quando discutimos sobre vitalidade estamos falando da vida. E viver é muito mais que estar vivo. A sabedoria do viver se apresenta no percurso, que no fim é o que mais importa, pois nele traçamos a vitalidade.

Mas como o corpo sobrevive se a mente não vai bem?

Uma boa alimentação junto a práticas saudáveis de autocuidado é de extrema importância para dar um up na vitalidade.

Mas quem achou que as brincadeiras de morto-vivo ficaram na infância, engana-se. Acordar com saúde nesses últimos tempos tem sido um privilégio. Vivo! Despertar é um desafio de vitalidade da mente. Morto! A vitalidade é também sobrevivência, mas como sobreviver em um momento onde o mundo é atravessado por uma pandemia? Morto! Ela resiste. Resistimos. Vivo! Já am dos 39 mil o número de casos dos que não poderão ver ou sentir a vitalidade dos seus familiares. A maioria dos óbitos tem cor.

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), o maior número de óbitos em pacientes hospitalizados pelo COVID-19 é de pessoas negras. Pobres e pretos. E talvez tenham nome e sobrenome, mas esse é um dado que se perde, pois arrancam de nós os nomes, viramos números. Assim como nos navios tumbeiros.

Acreditamos que essas vítimas morrem também por questões sociais, pois a geografia das favelas, infelizmente, influencia na proliferação e contaminação do vírus, uma vez que a proximidade entre as casas é mínima, colocando em questão a vitalidade. Morto! Como se não bastasse a luta imprevisível pela vida contra o COVID-19, outras lutas surgem, e essa é previsível. Vivo! Tem nome e cor, chama-se racismo.

No dia 20 de maio de 2020, na zona Oeste do Rio de Janeiro, na favela Cidade de Deus, ocorria uma ação solidária da Frente Cidade de Deus. Distribuíam cestas básicas, mas a ação foi interrompida por uma operação da polícia militar em combate ao narcotráfico da cidade. De um lado pessoas tentando sobreviver à pandemia, de outro, mais um jovem negro morria. Morto! Esse tinha nome e sobrenome: João Vitor da Rocha, 18.

Abaixo segue a lista de algumas das muitas vitalidades interrompidas:

Miguel Otávio Santana da Silva, 5

João Pedro Mattos Pinto, 17

Iago César dos Reis Gonzaga, 21

Margareth Teixeira da Costa, 17

Agatha Vitória Sales Félix, 8

Se chegou até aqui nessa leitura, te pedimos um minuto de silêncio por todas essas vidas. Vidas importam. Vidas negras também.

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