Cidade Silenciosa: A Arte como Sinônimo da Dignidade

Por Sara Pimentel de Oliveira
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Exposição de César Coelho propõe um olhar sensível sobre os invisíveis das cidades.
   O artista César Coelho e a sua obra “Estamos”.

A exposição Cidade Silenciosa, do artista plástico César Coelho, propõe uma reflexão profunda sobre aqueles que habitam o espaço urbano, mas que muitas vezes am despercebidos. Em cartaz no Museu de Arte Contemporânea (MAC) desde dezembro de 2024, em Niterói, a mostra traz retratos impactantes de pessoas em situação de vulnerabilidade, ressaltando a força e a dignidade de suas histórias. A exposição conta com a curadoria de Marcus Lontra Costa e fica no museu até 23 de fevereiro. 

Sobre o artista 

O artista César Coelho durante a entrevista.

César Coelho é um artista plástico e designer brasileiro nascido em 1949. Interessado pelas artes desde criança, César começou com o paisagismo, mas ao longo do tempo, suas pinturas foram ganhando figuras humanas e posteriormente, ou a se dedicar a pintar e esculpir pessoas. Durante mais de 40 anos, atuou como designer de sapatos e órios, criando peças inspiradas em Mondrian, Miró e Matisse. 

Na área das artes plásticas, dedica-se à pintura e escultura com foco na figura humana, utilizando pinceladas expressivas para explorar as emoções e a condição humana. Estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e já expôs suas obras em cidades como Nova York, Lisboa e Berlim. Atualmente, mantém um ateliê na Fábrica Bhering, no Rio de Janeiro. Seu trabalho busca provocar reflexões sobre a introspecção, a existência e a identidade, utilizando a arte como meio de expressão e questionamento.

Em sua carreira, o artista busca explorar as expressões faciais e a figura humana como porta de entrada para as perplexidades do mundo, utilizando a arte como meio de expressão e reflexão sobre a condição humana. Seus trabalhos convidam o espectador a decifrar fragmentos e narrativas, promovendo um diálogo aberto e sugestivo sobre a existência e as emoções humanas.

A cidade e seus habitantes invisíveis

César Coelho percorre as ruas e avenidas urbanas com um olhar atento. Suas pinturas capturam a essência de andarilhos, sobretudo, homens negros, idosos, trabalhadores informais e outros personagens que, apesar de comporem o cenário cotidiano, que muitas vezes são reduzidos à mera condição de coadjuvantes da sociedade e das ruas de todo o país. Com pinceladas expressivas e cores fortes, ele busca dar voz às suas próprias histórias e sentimentos. Além da pintura, a exposição se apropria do espaço expositivo de maneira inovadora, utilizando andaimes como e para algumas obras. Esse detalhe reforça a metáfora de que tanto a arte quanto a vida são processos de construção contínua.

O quadro “Luar sobre o beco”, 2022, óleo e tinta acrílica sobre tela

Em entrevista, César contou um pouco mais sobre algumas obras que compõem a exposição, o processo criativo e suas expectativas em relação à recepção do público com as obras. Para iniciar a conversa, perguntei a ele o que o motivou a criar/pensar no universo de Cidade Silenciosa:

Para dizer a verdade, não foi algo planejado. Essas figuras me atraem sempre, a figura humana me faz sempre pensar sobre o que é a existência, o que é viver, estar no mundo para cada um. Os meus modelos são essas pessoas que eu encontro na rua, gosto de pegar algo que eu ache interessante e registro fotos daqueles momentos de espontaneidade. Os detalhes me chamam atenção e é aquilo que acabo ressaltando. Quando surgiu a oportunidade de expor, percebi que tinha chegado em um determinado momento em que olhei para os meus trabalhos e resolvi ampliar esse assunto, me dedicar mais a representar essas figuras que fazem parte dessa população silenciada.

César ressaltou ainda uma possível expressionista nas suas obras. No quadro “Na praça, olhando o mundo”, ele contou que essa obra veio de pessoas que ele viu nas Estação de barcas Araribóia de Niterói e que a pintura não é uma representação exata do que observou no momento; ele costuma captar a realidade e fazer a sua própria composição. O artista chamou a atenção para a contraposição entre o dia a dia das pessoas que estão de agem e os dois homens que estão “alheios”, que não fazem parte desse fluxo. Na sua visão, ele descreve um olhar perdido entre essas pessoas.

O quadro “Na praça, olhando o mundo”, 2022, óleo e tinta acrílica sobre tela

Já em “Elegância Sitiada”, as pessoas retratadas são prisioneiros de Gana que estão assistindo a uma partida de futebol. O que chamou a atenção nos homens foi a manifestação de uma elegância numa situação atípica e desprivilegiada como uma prisão. Sobretudo, o artista chamou atenção para as expressões faciais e como as gesticulações e as marcas do rosto dizem sobre toda e qualquer pessoa. Uma elegância sitiada de pessoas que estão presas e com a sua liberdade cerceada.

“Elegância Sitiada”, 2021, óleo e acrílica sobre tela

O artista se interessou pela elegância que o homem do quadro “Estou aqui”, pediu excepcionalmente licença para tirar foto e pintar seu rosto. O autor menciona: “Eu chamei esse quadro de “Estou Aqui”. O que eu to querendo dizer com esse título é como se fosse: ‘eu to aqui. você não tá me vendo, mas eu to aqui.’ ” 

Reprodução do quadro “Estou aqui” no cartaz exposto na porta do museu.

Em continuação a “Estou aqui”, César pintou “Estamos”, quadro em que se põe frente a frente com o homem retratado na pintura:

Resolvi fazer aquele [quadro] em que eu me coloquei diante dele [o homem pintado em “estou aqui”] e chamei de “Estamos”. Estamos no mesmo barco e na mesma travessia. Eu acredito em um conceito que fundamentalmente os nossos sentimentos são muito parecidos. Os meus desejos, os meus medos são parecidos com qualquer cara de rua ou qualquer milionário. Todo mundo quer se sentir feliz, que se sentir bem, que se sentir aceito.

“Estamos”, 2024, óleo e tinta acrílica sobre tela

 César contou ainda que o homem deu um papel, que tinha a palavra “pão”, uma sequência de números e círculos concêntricos que ele pintou no plano inferior da obra. Além disso, o autor  acrescentou  sobre a presença de uma escrita no fundo da pintura e sobre como a escrita e como a comunicação era estabelecida foi algo que lhe interessava:

O ser humano desde que ele existe, sempre teve uma necessidade de se comunicar, dizer para o outro quais são os seus anseios, os seus pensamentos, seus medos e etc. Ele tinha inicialmente o som, a própria voz, os tambores e depois, ou a fazer marcas nas paredes das cavernas.[…] Eu coloco aí elementos da escrita cuneiforme que vem lá da Babilônia de 3000 a.c, coloco traços árabes, chineses. Então, o que eu quero dizer tudo vem dessa necessidade fundamental de comunicar e interagir.

Segundo o autor, “Estamos” e “Estou Aqui” dialogam entre si, uma vez que o autor no segundo quadro, se põe em igualdade ao homem que pintou, com a intenção de ressaltar que ambos são seres humanos que compartilham dos mesmos sentimentos fundamentais. A interlocução com as escritas de povos da antiguidade também é outra forma que o autor encontra de dizer que, apesar de quaisquer diferenças ou distância temporal, somos todos seres humanos. 

“Estamos” na região central e “Estou Aqui”
no canto direito da imagem.

Já sobre o carácter introspectivo e de autoconhecimento de suas obras, a escultura “Parto de si” é mencionada pelo autor como o emblema dessas características temáticas de sua arte:

Você compõe uma personalidade, constrói um eu, que em grande parte, é dada pelo outro. Então, chega um ponto na sua vida que você percebe que tudo o que você configurou a seu respeito vem muito do outro, a maneira que o outro te vê, seus, pais, seus irmãos. Mas, chega um momento, que você diz: ‘Eu sou realmente isso? Eu sou o que estão me dizendo, o que estão me olhando? Mas, eu posso ser também. Eu não só isso, eu vou além.’ Então, essa escultura se trata desse momento que uma pessoa está fazendo a extração de si mesma. 

“Parto de si”, 2020, argila queimada e tinta acrílica sobre tela.

Sobre o que espera despertar no público, e qual a mensagem ele gostaria que as pessoas levassem ao ter contato com suas obras, César ressalta que seu objetivo enquanto artista é mostrá-la para quem quiser ver, e incentivar a construção de um mundo que dê voz a todas as pessoas: 

Falando de arte, o sentido de fazer isso é mostrar. Não adianta você fazer algo e ficar para você, você e você mesmo. A interlocução é pobre. Na medida em que outros veem, muda tudo. Isso atinge as outras pessoas, provoca comentários, mesmo que não goste ou desagrade. Então, pode-se dizer que procuro despertar a interlocução, algo que fale algo, a troca de ideias.

Posso começar falando sobre o próprio título, um francês que estava visitando a exposição me perguntou: “Por que “Cidade Silenciosa”, se tudo aqui é tão barulhento?” Eu falei que estava falando de coisas paralelas, estava falando de uma população que é muito mal vista e muito menos ouvida, são pessoas que não tem voz nenhuma, então é dessas pessoas que eu estou falando. A mensagem, então, se pensarmos em construir um mundo, é dar voz a essas pessoas.

A exposição Cidade Silenciosa não apenas retrata os invisíveis do espaço urbano, mas também propõe uma reflexão sobre a empatia e o reconhecimento do outro. César Coelho constrói um diálogo sensível sobre a dignidade humana, destacando histórias muitas vezes silenciadas. Sua obra reforça a importância de dar visibilidade a essas vozes, convidando o público a refletir sobre a responsabilidade coletiva de enxergar e valorizar aqueles que são ocultados e marginalizados. 

Serviço:

Exposição Cidade Silenciosa, de César Coelho
Quando: até 23 de fevereiro de 2025
Onde: Museu de Arte Contemporânea (MAC) em Niterói. 
Horário de Funcionamento: 10h até 17h, de terça a domingo
Ingressos: R$16 a inteira, R$8 a meia-entrada
Gratuidades: Estudantes da rede pública (ensino fundamental e médio), crianças de até 7 anos, pessoas com deficiência, servidores públicos municipais de Niterói, pessoas moradoras ou nascidas em Niterói (com apresentação do comprovante de residência) e visitantes de bicicleta.

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