Fevereiro de Iemanjá e os cuidados com o meio ambiente

Por Rayana Burgos
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Alterar regras e comportamentos para frear a crise climática é um papel de todos os atores sociais, como governos, empresas, sociedade civil, e, inclusive, das instituições religiosas. Nesse texto, através de uma entrevista feita com a Mãe Verônica de Ogum, sacerdotisa da Umbanda, aponto um recorte sobre como tornar as festividades das religiões de matriz africanas mais sustentáveis e apresento algumas boas práticas que podem ser implementadas no cotidiano dos terreiros.

eu vou levar, vou levar flores no mar. foi uma promessa que fiz, à deusa do mar, eu pedi, alcancei, agora eu vou pagar

O dia 2 de fevereiro é marcado pelas celebrações pelo Dia de Iemanjá e de Nossa Senhora dos Navegantes. Tradicionalmente, muitas cidades brasileiras realizam festas e procissões que reúnem milhares de fiéis, devotos e iradores.

As comemorações sempre terminam na praia – onde são organizadas as oferendas que são entregues à deusa do mar – um momento de arrepiar que eu, como filha de Iemanjá, não vou negar: sempre me emociono mais do que esperava! É comum encontrar perfumes, espelhos, flores, champanhes, barquinhos e frutas nas oferendas que vão ao mar.

Foto 1. Oferenda para Oxum, Iemanjá e Orixás, em dezembro de 2021. Fonte: Rayana Burgos / acervo pessoal

Porém, para além do valor simbólico e espiritual da oferenda, precisamos ter a consciência de que embalagens são feitas de materiais poluentes e longe de serem biodegradáveis. Por isso, é necessário redobrar os cuidados com os resíduos que sobram das oferendas no fim das comemorações, para evitar que fiquem na praia outras marcas que não sejam a da nossa fé.

A Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão publicou no seu instagram algumas dicas sobre como tornar esses rituais menos ofensivos ao meio ambiente. Essa publicação me chamou bastante a atenção por dois motivos:

  • primeiro, é uma página oficial de um governo mencionando a importância desse dia para religiões de matriz africanas – que desde sempre são marginalizadas;
  • e, segundo, porque apresenta de forma bem direta e explicativa como manter os cuidados com os ecossistemas marinhos e costeiros durante as comemorações.

Lembrar que existe uma relação direta entre a espiritualidade e a natureza é manter vivas as raízes das religiões de matriz africana. A Umbanda e o Candomblé sempre cultivaram iração e respeito pelos elementos naturais.Louvam os Orixás dos rios, do mar, das matas, das pedreiras, dos ventos. Tudo isso é sagrado, forte e carregado de axé.

Para a Mãe de Santo, Mãe Verônica de Ogum, na época das oferendas, os terreiros podem encontrar formas de cuidar da natureza e também incentivar o replantio e o cultivo de plantas, ervas e alimentos:

Depois que tiramos as oferendas do terreiro, levamos para as matas. A energia daquele alimento já encheu nosso espírito de coisa boa, então temos que devolver para a natureza esse presente. Nós sempre enterramos as comidas para criar adubo e plantamos sementes em toda mata que vamos. É uma forma de agradecer. É o que a gente faz pra ajudar a natureza

Foto 3. Mãe Verônica de Ogum, na  13ª Caminhada dos Terreiros de Pernambuco, em 2019. Fonte: Rayana Burgos / acervo pessoal.

Para além do mês de fevereiro, Mãe Verônica de Ogum chama a atenção também para a ação coletiva sustentável nos templos religiosos, incluindo no dia a dia dos terreiros. Quando questionada sobre segurança alimentar, Mãe Verônica contou que existe um esforço no seu ilê para adotar uma rotina alimentar mais saudável. Para ela, adotar ações alimentares conscientes do seu impacto no corpo e no meio ambiente é um o importante na prática da espiritualidade:

Lá no terreiro a gente tem nossa horta orgânica, para diminuir o consumo de agrotóxicos. As ervas usadas nos rituais são bem cuidadas. Sempre compramos frutas, verduras e legumes nas barracas orgânicas, para ajudar as pequenas famílias produtoras […]

Há poucos dias foi aprovado na Câmara dos Deputados o projeto de lei que muda uma série de regras sobre os agrotóxicos no país, a “PL do Veneno”. Em linhas gerais, o PL facilita o o a agrotóxicos e tende a maquiar os impactos causados por eles: os agrotóxicos, am a ser considerados “pesticidas” e quando usados em florestas e em ambientes hídricos serão considerados “produtos de controle ambiental”.

Segundo o Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2018,  houve um aumento de 149% na comercialização de agrotóxicos no Brasil, no período de 2007 a 2014. Apesar de ser usado para reduzir a quantidade de pragas e facilitar a vida do agricultor, os agrotóxicos também têm consequências para a saúde do trabalhador, do consumidor e do meio ambiente.

Durante a conversa, Mãe Verônica também ressalta que é vegana e menciona a importância de reduzir o consumo de carne.Alguns estudos apontam que o brasileiro come mais carne vermelha e processada do que deveria e também deixa de lado verduras e legumes. Nesse sentido, alterar comportamentos alimentares individuais e de pequenos grupos para uma alimentação cada vez mais saudável, diversa e livre de agrotóxicos é um dos caminhos para atingir a qualidade de vida no dia a dia e colaborar com a redução dos gases de efeito estufa (GEE), dado que o setor de agropecuária e mudança de uso da terra e Florestas são os maiores emissores de GEE no Brasil.

A gente também não come carne nos dias de gira. A Umbanda ensina muito sobre o respeito a todo tipo de vida.

A relação entre a fé e o clima é cada vez mais direta e presente no dia a dia do ilê. Das oferendas para entidades às refeições dos filhos da casa, é possível adaptar velhos costumes e tornar o cotidiano menos poluente. Seguindo o exemplo de Mãe Verônica de Ogum e de tantas outras yalorixás e sacerdotisas, podemos descobrir novas formas de viver a nossa fé enquanto zelamos a natureza.

Fevereiro é o mês de Iemanjá, mas ao longo do ano existem outras grandes comemorações nos terreiros. Se cada um se esforçar para ter ações mais responsivas ao meio ambiente e também fazer as oferendas com responsabilidade, conseguiremos unir esforços para cuidar da casa comum a todos nós. 

E, sabendo que as instituições religiosas são grandes escolas onde aprendemos nossos valores, comportamentos e a boa convivência, porque não aprender sobre o cuidado com a terra, com o mar, com a nossa casa e com a natureza? 

Se queremos mudar o mundo, que comecemos mudando a nossa casa!

E que orgulho de ser filha de santo de Mãe Verônica, viu? É um presente aprender e conviver com ela.

Com a benção e a licença dos mais velhos, 

Odoyá, Iemanjá!

Mulher oferece uma cesta de flores na tradicional festa de Iemanjá, no bairro de Rio Vermelho em Salvador-BA. Jonas Feitosa / Wikimedia
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Rayana Burgos

Coordenadora do Hub Youth Climate Leaders de Pernambuco e Gerente de Captação na Revista AzMina. Cientista Política (UFPE) com experiência de pesquisa sobre eleições e representação feminina na América Latina. Atua com pesquisa e políticas públicas com foco em gênero, raça e clima. É Recifense com o pé no chão, e o coração no mundo!

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