A noção de territórios compreende espaços físicos demarcados. Mas se seguirmos a visão do geógrafo brasileiro Milton Santos, o conceito e a definição de território são as relações de poder sobre um determinado espaço.

Sob uma perspectiva subjetiva, território é algo que está para além da ideia física e alcança o espaço das ideias, projeções mentais e os sentidos que construímos do mundo que nos cerca.
Com essa noção em mente, adentremos ao território do corpo humano. São 09 meses dentro do ventre de nossas mães. Chegamos como seres tenros ao mundo, mas ainda assim, a nossa estrutura biológica já caracteriza a expectativa do mundo sobre quem seremos. Gênero, etnia, classe social, sexualidade… Essas e outras são as condições impostas pela cultura e as incorporamos mesmo antes de aprender a andar e a falar.
Observemos essas distinções e disparidades nos territórios da vida social. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cada 8 vereadores, apenas 1 é mulher. Pessoas negras ricas representam 27,7%, enquanto as mais pobres, dessa mesma etnia indicam 75,2%. A expectativa de vida para mulheres transsexuais é de 35 anos. O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no planeta.
O corpo negro que se movimenta socialmente sofre com os estigmas e preconceitos, o que por vezes o impede de ocupar diferentes territórios. Nessa relação de supremacia branca, atacam-lhe o território da auto estima, das boas colocações no mercado de trabalho e até mesmo em seu território afetivo. Haja força, haja poder!
Quando uma pessoa negra ascende, obrigatoriamente lida com o imaginário racista da sociedade em que vive. O racismo não perdoa. Ele te invisibiliza e cerceiam sua mobilidade.
Observemos alguns exemplos: A escritora Carolina Maria de Jesus, que depois de escrever grandes sucessos literários voltou a ar fome e morreu pobre; Isaura Bruno, primeira atriz negra a protagonizar uma telenovela chegou ao fim da vida vendendo doces para sobreviver na Praça da Sé em São Paulo; a maioria dos atores negros do filme Cidade de Deus tiveram dificuldades para seguir na carreira artística e mudaram de profissão. Perdemos na queda de braço!
A filósofa Djamila Ribeiro traz o conceito lugar de fala, através do qual alerta para a necessidade de estarmos conscientes sobre nosso lugar na sociedade e a forma como isso impacta nossas vidas.
Levando em conta nossas diferentes perspectivas, podemos sempre aprender uns com os outros, mas sempre considerando que experienciar na própria pele é diferente de falar sobre o assunto. Vivemos o dilema do racismo estrutural.
Situações racistas ocorrem no cotidiano de pessoas brancas e pretas, mas o território do silenciamento amordaça o engajamento das pessoas e nem nos damos conta. Não basta não ser racista, devemos ser antirracistas. Estão atacando nossas trincheiras!
Território da raça social
Por conta de questões culturais, percebemos as diferenças que os corpos são vistos e tratados em determinados lugares. O corpo da mulher e do homem negro são hiperssexualizados no imaginário popular. Observemos o carnaval e os contos literários. O sujeito branco é visto como “sujeito comum”, enquanto o corpo do sujeito negro é fetichizado ou marginalizado.
Historicamente, o lugar do povo negro foi violado. Um continente invadido e devastado pela colonização, escravidão e exploração. As culturas de etnias africanas foram apagadas, esquecidas ou embranquecidas. Mesmo atualmente, a segurança do indivíduo negro é negligenciada.
Um jovem negro, morador de favela pode ser violentado e assassinado, mesmo dentro de casa. A população dos sistemas carcerários é de grande maioria negra, mas os dados se contradizem. Em 2006, a tese de mestrado em Ciência Política, de Ivan Borin, pela USP, apontou que 59,5% dos réus por furto em São Paulo eram brancos, enquanto 40,1% eram negros. Quanto aos roubos, 51,4% com réus brancos frente a 48,3% de negros. Esses dados mostram uma disparidade do parecer e do ser. Força, companheiros!
O conceito de territorialidade é o reflexo da necessidade de sobrevivência da população negra, pois forjaram seus próprios espaços sociais. O romancista James Baldwin diz “O lugar no qual me encaixarei não existirá até que eu mesmo o crie”. Nas artes cênicas essa situação não era diferente.
O negro não teve espaço no teatro ou quando tinha, ficavam mudos e parados, como objetos de decoração.
Abdias Nascimento, indigna-se ao ver um black face em uma peça no Teatro Municipal no Peru em Lima e cria o Teatro Experimental do Negro (TEN) nos anos de 1940. Além da inclusão de negros em produções teatrais, o grupo alfabetizou centenas de pessoas, tornando-se uma grande referência do teatro negro nacional. Este personagem foi responsável por garantir direitos e políticas públicas para a população negra no Brasil. Estamos caminhando!
O poder que devemos exercer em nossas territorialidades deve ser aquele que combata todas as formas de preconceitos no mundo. Talvez assim conquistemos o território do amor e do respeito ao próximo, que nesses últimos tempos tem sido o que realmente importa.
Noah Guimarães é ator do Grupo MovaNos. Quer conhecer mais o trabalho do Grupo MovaNos? e a página deles no Facebook. Quer falar com eles? Envie um e-mail para [email protected]
Fotos do destaque: Milton Santos, Maria Carolina de Jesus, Isaura Bruno e ‘teatro experimental negro’
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