“Nosso sistema alimentar está quebrado.” Raphael Podselver, diretor de assuntos com as Nações Unidas na ProVeg International, abre desta forma o sobre segurança alimentar e nutricional em conexão com a transição para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis. Podselver apresenta uma série de dados de grande impacto, coletados do relatório sobre o “Estado da segurança alimentar e nutricional no mundo 2023” da FAO, a Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas. Mais de 800 milhões de pessoas no mundo enfrentam fome e subnutrição, disse ele, e ao mesmo tempo temos 40% dos adultos no mundo com excesso de peso. Isto implica, também, que o nosso sistema alimentar representa um fardo oculto para o sistema de saúde mundial, com um custo que chega a 10% do PIB global.
“Temos um sistema alimentar ineficiente e, muitas vezes, altamente subsidiado, que não consegue alimentar o mundo e deixa as pessoas doentes. Além disso, os sistemas alimentares são responsáveis por ⅓ das emissões globais de gases de efeito estufa – e a pecuária, sozinha, é responsável por 20% das emissões.” A questão crucial, sublinhada pelo diretor da ProVeg, é precisamente esta: a forma como atualmente nos alimentamos adoece a humanidade e também o planeta.
Como produzimos alimentos e como os distribuímos
A dura introdução do evento terminou com uma pergunta, para os especialistas convidados a participar e para os ouvintes: como podemos avançar em direção a sistemas alimentares mais sustentáveis? A responder, com um discurso muito claro e bem organizado, foi Johanna Trewern, diretora do grupo de pesquisa da ProVeg International e pesquisadora na área de dietas sustentáveis e mudanças de comportamento.
“Um dos maiores desafios do nosso tempo é como alimentar uma população mundial crescente dentro dos limites do planeta, e como fazê-lo de forma sustentável. Isto deveria ser uma parte importante das negociações climáticas em curso aqui. A desnutrição está aumentando, principalmente depois da pandemia de Covid, e sabemos que produzir mais alimentos da mesma forma não será suficiente para resolver o problema da segurança alimentar e nutricional.”
Trewern também trouxe dados concretos e números expressivos, comprovando que “o problema é como produzimos alimentos e como os distribuímos”. De acordo com ela, 30% de todos os alimentos que produzimos são desperdiçados ou perdidos ao longo da cadeia de abastecimento; quando se considera a agricultura industrial, 19 bilhões de animais são desperdiçados (morrem ou nunca são consumidos) todos os anos. Além disso, 40% das terras agrícolas globais são utilizadas para cultivar alimentos para o gado e outros 30% são utilizados para biocombustíveis. “Precisamos realmente priorizar o uso da terra para cultivar alimentos nutritivos para consumo humano direto, e devemos fazê-lo com métodos agrícolas sustentáveis”, comentou a pesquisadora.
Mudança ideológica e ética
“Precisamos mudar a forma como pensamos e valorizamos os alimentos em nível político. Precisamos nos afastar da ideia de quantas calorias podemos obter da terra que temos e pensar em como produzir alimentos saudáveis para a população, sem prejudicar o meio ambiente.” Isto, segundo Trewern, é o que precisamos fazer – o mais rapidamente possível – para resolver este problema.
A pesquisadora descreveu como seria a dieta sustentável para o planeta e para o corpo humano: à base de plantas ou rica em vegetais, com quantidades mínimas de alimentos ricos em gorduras e açúcares prejudiciais à saúde. No entanto, sublinhou também que tudo isto “não é novidade” e que este é o momento de focar em ações, em como fazer com que as pessoas mudem realmente a forma como se alimentam.
Com forte abordagem científica, também neste caso foram citados números importantes: um cidadão médio da União Europeia consome o dobro da carne em comparação com a média mundial. Se olharmos para a cadeia de abastecimento, isso implica que ⅔ de todos os cereais que produzimos na UE vão para a alimentação de animais e não de pessoas. O que, comenta o pesquisador, “é extremamente ineficiente”.
A dieta que é boa para a saúde e para as mudanças climáticas
Na ocasião, foi citada a conhecida dieta Lancet, publicada há alguns anos pela revista científica de mesmo nome, que tem o duplo objetivo de proteger a nossa saúde e a do planeta: “a adoção da dieta Lancet reduziria as emissões do sistema alimentar em 48%, deixando-nos verdadeiramente ao alcance de um grau e meio de aquecimento e evitando um grande número de mortes em todo o mundo – a estimativa mais recente é de 24%”, foi explicado.
Destaque especial foi dado ao papel das leguminosas: o aumento da produção e do consumo traz benefícios não só para as pessoas e para o clima, mas também para a natureza, uma vez que contribuem para aumentar a saúde do solo. “Na União Europeia, atualmente, 2% das terras agrícolas são utilizadas para a produção de leguminosas”, notou-se, esperando-se uma mudança de rumo o mais rapidamente possível.
Apelo a uma maior diversidade
Por último, foi destacada a necessidade de maior diversidade em toda a cadeia de abastecimento. Esta é, de fato, uma estratégia vital para a adaptação às alterações climáticas, bem como para a segurança alimentar e nutricional. “O nosso atual sistema alimentar carece de diversidade. A maior parte do que comemos baseia-se em 5 espécies animais e 12 espécies vegetais, o que é absurdo quando se considera que existem mais de 6.000 espécies disponíveis globalmente que poderiam ser utilizadas para nutrição”, disse Trewern. A dieta atual, essencialmente, nos torna mais vulneráveis aos impactos das alterações climáticas.