
ANTES DO ACOLHIMENTO
A criança ou adolescente a por um processo de acolhimento quando se encontra em alguma situação de vulnerabilidade. Dentre as situações possíveis, pode-se citar:
Vícios – Grande parte dos jovens em acolhimento não são órfãos, porém os pais possuem algum tipo de vício que os impede de cuidar plenamente de seus filhos. O mais frequente desses vícios é a dependência química de drogas (sejam elas lícitas, como o álcool, ou ilícitas), o que pode deixar sequelas psicológicas e até mesmo físicas nessas crianças.

Como já comentei em um outro artigo, adversidades sociais (como o desemprego, por exemplo) podem ser relacionadas a uma maior ocorrência de adicções, assim como o vício em si pode levar à situação de pobreza, de mendicância ou até mesmo aumentar a criminalidade.
Isso não ocorre em todos os casos, porém deve ser levado em consideração. Esses problemas são interseccionais e podem vir a se retroalimentar.
Família disfuncional – Conflitos frequentes, abusos – psicológicos, emocionais, físicos, sexuais ou financeiros, negligência. Existem vários contextos que tornam uma família disfuncional, entretanto, em qualquer um desses casos, não é um ambiente propício para uma criança e, em muitos casos, é necessário uma intervenção dos órgãos de atenção especializada.


Pobreza extrema – Quando a família não consegue o mínimo para subsistir, podem acontecer casos de desnutrição severa, aparecimento de doenças evitáveis, falta de moradia digna e falta de o à escola. Ou seja, os infantes e os adolescentes são privados de seus direitos básicos.

Orfandade – Caso os pais ou responsáveis dessas crianças venham a falecer, não raro é necessário abrigá-las em lares de acolhimento enquanto tenta-se localizar se há alguém da família que possa cuidar delas – aliás, a prioridade para adoção é da família, em qualquer situação.

Gravidez não desejada – Também pode acontecer de os pais biológicos realmente não desejarem ter descendentes e, após o parto, a criança é abrigada.

DURANTE O ACOLHIMENTO
O “mundo lá fora” – Como as instituições de acolhimento são projetadas para a proteção, a infância e a juventude dentro desses lares são mais restritivas do que normalmente seriam. Isso cria uma noção de “mundo lá fora” e um mundo “aqui de dentro”.
Mesmo sendo uma necessidade nesse contexto, isso cria um sentimento de isolamento da realidade e de aprisionamento.

Rejeição e outros traumas – Depois do acolhimento, profissionais qualificados ajudam a enfrentar traumas, como a rejeição, o abandono e abusos. Todavia, por serem temas delicados, é um processo lento, difícil e doloroso.

Padrões de comportamento – Um dos desafios enfrentados é não cair no mesmo padrão de comportamento dos seus progenitores: eles não precisam reproduzir aquilo que vivenciaram. E a melhor forma de prevenir, é entender que essa tendência existe, mas não precisa se concretizar. Ainda sim, infelizmente, acontece com algumas pessoas.

Vida social – Como falei no primeiro tópico, por causa das restrições, a vida social fica completamente modificada. Por um lado, a socialização fora do ambiente escolar e do acolhimento fica muito comprometida e, por outro, existe um receio de que, ao contar que está em situação de abrigo, sofra preconceito.
Alguns acham que é algo estilo FEBEM, que as crianças cometeram delitos para estar ali. Outros os tratam como se fossem uma espécie de zoológico e fazem comentários insensíveis sobre suas vivências.
Desse modo, a sensação de isolamento e abandono só aumenta.

Racismo – Infortunadamente, a maior parcela dos indivíduos que estão em acolhimento são negros. E isso está profundamente relacionado ao racismo estrutural. Falei mais sobre isso no meu texto sobre pessoas moradoras de rua.

ADOÇÃO

A adoção é um ato de amor e é um processo muito bonito, mas existem alguns pontos que precisam ser debatidos. Um deles é o perfil ideal irreal que os adotantes procuram. E é sobre isso que iremos falar.
Irmãos – Muitas vezes, irmãos são separados. Isso depois de já terem sido separados de suas famílias. E é realmente muito triste, principalmente porque a maioria das pessoas que quer adotar, não está aberta à possibilidade de adotar irmãos.

Pessoas com deficiência – Nós vivemos em uma sociedade capacitista, na qual pessoas com algum tipo de deficiência são frequentemente menosprezadas e preteridas. Principalmente quando o assunto é adoção.

Idade – A adoção tardia não é muito comum. Em outras palavras, quanto mais velho, menos chances de ser adotado. E isso nos leva para uma outra questão.

E QUEM NÃO É ADOTADO?
Após completarem 18 anos, esses jovens são obrigados a sair do lar de acolhimento. Entretanto, mesmo estando há vários anos se preparando para esse momento, essa fase é extremamente intensa.
Para falar disso, me baseei em documentários como o “Eu quero ir para casa”, que está disponível no YouTube. Percebi algumas preocupações bastante comuns nesse processo. Como, por exemplo:

Sensação de não-pertencimento – Além de ter que lidar mais uma vez com o sentimento de rejeição, evidencia-se uma problemática: sentir que não pertence a lugar algum e que não tem nada que os pertença.

Falta de acompanhamento psicológico – Se até o momento, eles eram preparados para respeitar os limites do abrigo, quando saem, se deparam com uma recém-descoberta liberdade. E, muitas vezes, isso é desorientador.

Essa desorientação é ainda pior caso não se continue com um acompanhamento psicológico após os 18 anos, o que acontece frequentemente. Isso porque não há um projeto especificado para essa continuidade.
E, por isso, a tendência de reprodução de ciclos autodestrutivos aumenta. Assim, vemos que a adaptação para o impacto dessa nova realidade não é tão levada em conta, embora seja decisiva para a vida dessas pessoas.

O QUE PODEMOS FAZER
Sobre os jovens que saem com 18 anos?

Podemos apoiar a ampliação de projetos de repúblicas temporárias de adaptação, que ainda não existe na grande parte das cidades brasileiras, bem como no acompanhamento psicológico, principalmente nesse momento crítico e decisivo.
Com a terapia individual contínua focada na abordagem mais funcional para cada pessoa, a sensação de e, de acolhimento e de direcionamento são bem maiores, contribuindo para que toda a sua preparação para o “mundo lá fora”, que ocorreu ao longo da vida em abrigos, seja o mais proveitosa possível.
Também podemos pressionar o poder público por políticas afirmativas, como direcionamento de vagas de emprego específicas para esses jovens, para que eles possam sair do acolhimento ou da república temporária com estabilidade financeira suficiente para viver dignamente.
Sobre a adoção?
Devemos estimular a adoção tardia, assim como a de irmãos, de pessoas negras e de pessoas com deficiência. Ou seja, desconstruir o perfil de adoção que possuímos hoje em dia.

Sobre a vivência no acolhimento?
É necessário não somente disseminar o conhecimento correto sobre o que é um lar de acolhimento para diminuir o preconceito, mas também construir formas de manter relacionamentos saudáveis, mesmo com as restrições da situação.

Para evitar que as crianças sejam separadas de suas famílias?
A primeira e maior ação que precisa acontecer é: luta social.
Isso mesmo. Enquanto possuirmos racismo estrutural, cultura do estupro, machismo (que contribui muito para a violência doméstica), concentração de renda desenfreada, desigualdade social, combate violento às drogas (que mascara um massacre étnico e não contribui para a diminuição efetiva da dependência química), e não tivermos educação sexual, nem planejamento familiar, nem direitos reprodutivos plenos… bem, infelizmente, crianças continuarão a serem separadas de suas famílias. Até que a gente se mobilize para mudar todas essas causas.

Precisamos também repensar a ótica com que percebemos os genitores: os vemos muitas vezes como culpados, porém eles são tão vítimas dessas adversidades quanto as crianças. Dar apoio e orientação para eles também é imprescindível, como políticas públicas e tratamento adequado.
Um problema social interfere no outro e, para evitá-los, só há um caminho: engajar-se. E vamos à luta, então!

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