Quando me pediam para falar sobre mim, eu sempre deixava para dizer de qual bairro era por último, porque queria que as minhas experiências tivessem destaque – e não de onde eu era. Porém, depois comecei a perceber que a minha identidade, meus valores e minhas experiências são consequências do meu território.
Território não é apenas um espaço que estamos ocupando, mas um conceito que influencia a nossa maneira de ver e se relacionar com o mundo. Ser brasileira e morar na zona sul de São Paulo, no bairro de Paraisópolis, me torna quem sou e molda minhas visões de valores, lutas e até de perspectivas.

No entanto, falar de território também é refletir sobre as oportunidades – ou a falta delas – na vida das pessoas que o ocupam. Retomando o bairro de Paraisópolis como exemplo, é nítida a maneira marginalizada que os moradores vivem e, de tão frequente, naturalizada.
A educação é uma das áreas em que podemos observar essa realidade. Ver crianças e adolescentes nas escolas ou fora delas é normal, já que o efeito é o mesmo. Infelizmente, é aqui que mora o verdadeiro caos que justifica a discrepância social, que assola o nosso país em cada canto dele. Os recursos, as oportunidades e a maneira como as pessoas conseguem entender a ideia de futuro são completamente diferentes ao comparar territórios.
“Quando falamos de uma comunidade periférica do tamanho de Paraisópolis é impossível não citar os inúmeros projetos socioeducativos que existem lá dentro, e como isso impacta no convívio e no desenvolvimento dos moradores, mas principalmente dos adolescentes. As inúmeras maneiras de se organizar socialmente sempre elevando a coletividade através de projetos sociais.”
comenta Vitória Vieira, moradora de Paraisópolis e membro da equipe de social media do P.
Dentro desse cenário, o Cursinho Popular Paraisópolis (P) surge como uma forma de resistência para mostrar que, apesar de terem carimbado o território como “sem futuro”, a educação é o caminho que escolhemos para ocupar espaços que não esperam ser ocupados por pessoas periféricas, como as universidades. Atualmente, são mais de 30 pessoas voluntárias – desde a gestão até a equipe de estudo do meio.

Há uma expressão que diz “Algo existe para deixar de existir” e, apesar de ser um pouco confusa, combina com o conceito do Cursinho. Eles existem para cobrir os buracos deixados pelo falho sistema da Educação Básica nesses territórios, pois, se tivéssemos uma educação de qualidade para todos os estudantes, os cursinhos populares não seriam necessários.
No começo do ano letivo, alguns alunos do P foram perguntados sobre quais eram as expectativas para 2024 e como o Cursinho Popular Paraisópolis ajudou-os para além do ensino das matérias dentro da sala de aula.
“[Os professores] me ajudaram bastante na questão de pensar em como estudar e organizar minha rotina. Eu já estava com vários objetivos, então consegui me organizar melhor e ter esse hábito de estudar.“
compartilha Guilherme, aluno do P.
Confira o vídeo completo abaixo:
Exemplos como Guilherme e outros alunos do Cursinho mostram a relevância de movimentos como o P para os moradores. Além do ensino dos conteúdos que caem no vestibular, é importante que espaços como o P estejam abertos para que possamos dar oportunidade a esses adolescentes de se desenvolverem politicamente, de criarem um senso crítico, de abrir mais oportunidades através da educação e principalmente compreenderem suas próprias realidades.
“A pandemia escancarou ainda mais como os jovens periféricos têm mais barreiras para ar o ensino superior. O P existe, além de qualquer coisa, para dar aos moradores de Paraisópolis uma chance, não só de ar o ensino superior, mas também de ascender socialmente.”
diz William Maciel, morador de Paraisópolis e professor de redação no P.
Ao refletirmos sobre a importância do território na educação, percebemos que iniciativas como o Cursinho Popular Paraisópolis (P) não apenas preenchem lacunas deixadas pelo sistema de educação formal, mas também servem como catalisadores de transformação social e pessoal. O P demonstra que, mesmo em contextos adversos, a educação pode ser um instrumento poderoso de mudanças. Este espaço de resistência e esperança é essencial para redefinir a trajetória de jovens periféricos, oferecendo-lhes oportunidades reais de um futuro mais promissor e equitativo.