A “conversa afiada” da manhã do dia 30 foi composta por uma mesa histórica, com a participação da primeira transexual com título de doutora no Brasil, Luma Nogueira de Andrade. Professora no Ceará, nascida em uma família de analfabetos, traçou bravamente a sua meta conquistando aquilo que muitas travestis e transexuais buscam com ardor e devoção, que é o direito à educação e reconhecimento acadêmico.
A doutora não se ateve muito a sua trajetória vitoriosa. Preferiu apresentar um vídeo representativo sobre jovens que não conseguiram chegar onde queriam por causa de uma sociedade heteronormativa. No depoimento em vídeo de uma jovem travesti que preferiu não se identificar, ouvimos o relato de um desfile carnavalesco. A jovem havia sido escolhida para o desfile por seus colegas de classe, conversou com autoridades da escola que, num primeiro momento, autorizaram a sua participação depois de longas conversas. Na véspera do evento, todas as salas de sua escola foram convocadas para o pátio, e a diretora avisou que “uma pessoa em especial, não poderia participar do desfile, pois seria uma avacalhação e traria uma imagem negativa para a escola”.
Luma ainda mostrou outros problemas com os quais as jovens se deparam, como a impossibilidade do uso do banheiro feminino, ou mesmo, a proibição de muitas escolas pelo uso de roupas femininas por travestis e transexuais. São direitos vetados por uma sociedade heteronormativa, capaz apenas de reconhecer e aceitar hoje, em parte, os gays e as lésbicas. E mesmo na escola, que segundo Luma Nogueira é um “local que deveria prezar a diversidade e pluralidade”, o que se vê é um “direito social negado ao não se acolher a singularidade de um travesti”.
A negação nem sempre vem com uma afronta direta, verbal, como no caso da jovem que sofreu a humilhação diante de sua escola inteira ao não poder desfilar no carnaval. Segundo Larissa Pelúcio, antropóloga da UNESP de São Paulo, “está claro que quem tem direito à palavra e quem não o tem. E é o silêncio que escancara essa relação”. O fato de não haver a mesma comoção pelo estupro ou assassinato de um jovem travesti ou transexual, quando comparado às medidas tomadas em relação ao mesmo crime cometido contra uma pessoa heterossexual, já mostra que todos nós perdemos com o silêncio, “mas alguns perdem mais, pois seus corpos e suas escolhas são ininteligíveis para muitos componentes da sociedade”.
Larissa Pelúcio ainda nos traz uma questão fundamental para se entender a dificuldade do cuidado com a saúde das transexuais e travestis. Ela questiona: “como fazer consultas periódicas se sou destratada nos postos de saúde?”. Aníbal Guimarães, da Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, mostra que esse comportamento atinge diretamente as políticas públicas, pois não há um respeito e reconhecimento da capacidade cognitiva de uma travesti ou transexual em decidir o que é melhor para si mesmo, de decidir pela sua própria vida.
Karina Lakerbai (SP), da Cobertura Jovem em São Paulo / Imagem: Comunicação do Ministério da Saúde